sábado, 4 de julho de 2020

A FILOSOFIA E OUTRAS FORMAS DE CONHECIMENTO – MITO, CULTURA, RELIGIÃO E CIÊNCIA


A FILOSOFIA E OUTRAS FORMAS DE CONHECIMENTO – MITO, CULTURA, RELIGIÃO E CIÊNCIA

Há diferentes formas de conhecer a realidade. Nós podemos acessá-la por meio da ciência, do mito, da filosofia, da religião e dos produtos da cultura. No extenso panorama do conhecimento, produzido historicamente pela humanidade, a Filosofia visita o centro e todos os cantos e recantos tidos como habitados e conhecidos, para percebê-los ainda carentes de outros “olhares”, de outras perspectivas. Assim, a Filosofia é a experiência do pensamento e, por sua história, é o testemunho de revoluções, contestações e certezas (ainda que provisórias), conhecedora dos valores e das narrativas justificadoras das formas de ser e viver.

A Filosofia
A Filosofia busca lançar um olhar crítico, reflexivo e questionador, indo ao encontro dos fundamentos, da compreensão, do porquê, das diversas realidades da vida humana, como os mitos, a cultura, a religião e a ciência. É olhar de maneira diferente. A filosofia, em sua origem, é o amor pelo saber. A informação é saber que uma coisa aconteceu; o conhecimento é saber por que essa coisa aconteceu; a sabedoria é saber o que fazer com a informação e o conhecimento. Essa é a tarefa da filosofia: produzir sabedoria.
O ser humano se faz presente nos diferentes ambientes do planeta. Pode voar, cruzar os mares, habitar o deserto e até regiões alagadas. Trata-se do maior “predador”, mesmo não sendo naturalmente o mais forte. Pode enfrentar mamíferos maiores que ele e tem condições de se defender de organismos que não podem ser vistos a olho nu. Pode comunicar ideias e experiências para as gerações que ainda não nasceram e ter contato com o pensamento daqueles que já não habitam o mundo dos vivos. Mas como isso se tornou possível?

 O Mito
O mito é um tipo de história ou estilo literário de difícil definição. O mito se
caracteriza como uma explicação fundamental, uma narrativa, responsável pela disseminação de conhecimentos e valores. Por ser de natureza diversa da Filosofia e da Ciência, o mito não carece de validação e, desta forma, não pode ser questionado. Ele não tem um único autor, pois é construído e reconstruído socialmente, podendo apresentar mais de uma versão.
Se você quiser conhecer uma narrativa mitológica, que trás uma explicação sobre como o homem se sobressaiu aos demais animais, a partir do domínio do fogo, leia no seu Caderno do Aluno, 1ª Série, 2º Bimestre, o mito de Prometeu e Epimeteu, reproduzido na p. 81 e 82. Ou nesse endereço eletrônico:


Todas as culturas trazem narrativas (mitos) de criação, por exemplo, que procuram explicar a dimensão do homem como um ser ao mesmo tempo da natureza e da cultura. A importância das narrativas mitológicas está em compreendermos a cultura de diferentes povos e, assim, compreender as relações entre natureza e cultura.
As narrativas míticas trazem os fundamentos das religiões, dos saberes e da própria história; revelam o princípio, o germe da tradição e, dessa forma, a mantém. A tradição é mantida pelos mitos, além de repetir e atualizar a ação dos precursores. Dessa forma, o mito conta a história primeira que ensina aos homens como devem fazer para viver neste mundo de acordo com os saberes de fundação (Eliade, 1972, p. 13). A narrativa mítica busca revelar as origens de ações humanas ou da natureza, o que possibilita entender o sentido de certas práticas. Em geral, os mitos são transmitidos de geração a geração, e as suas narrativas de origem favorecem a coesão simbólica. A identidade étnica é reforçada à medida que os indivíduos compartilham as narrativas de criação e as práticas decorrentes destas. Assim, as narrativas míticas contribuem com elementos fundamentais para a constituição da cultura, e esta, por sua vez, é constituída por elementos que se relacionam de forma intrínseca com os mitos, tais como: conhecimentos, crenças, normas, valores e símbolos. (Para saber mais, leia a p. 83 e 84 do Caderno do Aluno).

A Cultura
“Por que tendemos a forçar o outro a ver o mundo a partir do nosso olhar?” Se a cultura define um modo de se ver o mundo, então cada um vê o mundo através de sua cultura. Dessa forma, comportamentos, ideias e ações são avaliadas como boas ou ruins, corretas e erradas, bonitas ou feias, úteis ou inúteis, agradáveis ou desagradáveis, morais ou imorais, de acordo com a cultura de cada um. Assim, tendemos a considerar o modo de vida expresso pela nossa cultura como o mais “correto”. Mas o que acontece quando, seguindo este encadeamento de ideias, uma cultura se depara com outra? Nesse momento, é fundamental uma atitude de alteridade. Mas o que é alteridade?
Alteridade é reconhecer o diferente e respeitar aqueles que não vivem a vida como vivemos, que não pensam como pensamos e não querem o que nós queremos.
A alteridade opõe-se à ideia de etnocentrismo, que é quando consideramos a nossa cultura o centro, a mais importante, desprezando e inferiorizando todas as outras. A postura etnocêntrica não é a melhor maneira de nos relacionarmos com os que têm uma cultura diferente da nossa.

A Ciência
Ciência só é ciência cercada pela margem da incerteza, da dúvida. Todo o tempo, a ciência põe em dúvida o já sabido. Ainda que acumulativo, o conhecimento científico é provisório e relativo, isto é, pode mudar. Refletir de forma crítica sobre a ciência é pensar sobre as características do conhecimento científico como verdade absoluta. Mas o que é o conhecimento científico?
É um conhecimento sistemático baseado em experimentos, métodos e teorias. A Filosofia da Ciência é uma reflexão sobre o processo de construção do saber científico, analisando seus métodos e princípios. A Filosofia da Ciência problematiza o conhecimento científico como infalível. Quando alguém fala que “está cientificamente provado”, ninguém questiona. Assim cria-se o “mito do cientificismo”, em que a ciência explica tudo, como se ela fosse dona de uma verdade absoluta e universal. Se está cientificamente provado, significa que não pode mudar no futuro?
Algumas teorias científicas serviam numa determinada época e foram falseadas ou superadas posteriormente, sendo aperfeiçoadas. A Filosofia da Ciência trata disso. A ciência produz uma verdade transitória, que pode se modificar e se reconstruir. Por exemplo: acreditava-se que só era possível encontrar vida dentro de uma determinada faixa de temperatura, até que foi encontrada uma bactéria que vivia numa temperatura bem abaixo do limite mínimo considerado até então. Portanto, aquele paradigma (referência) entrou em crise, e foi preciso construir outro.
A ciência não pode ser dogmática, senão ela vira uma religião. O dogma é uma verdade inquestionável. Portanto, a ciência não pode ser inquestionável, visto que está sempre mudando, se aperfeiçoando, se superando, deve estar aberta ao novo.

A Religião
            A religião tem como intenção aproximar o ser humano do Sagrado, re-ligar. Ela é universal, isso quer dizer que todos os povos e culturas têm suas religiões. A religião é diversa, pois não temos apenas uma religião, mas muitas maneiras diferentes de o ser humano se relacionar com o Sagrado. Ela também é sacralizadora, isto é, estabelece o que é sagrado e o que é profano. Profano não é negativo, mas aquilo que é comum, não-sagrado. Sagrado significa “separado”. Sacralizar é tirar do comum. Um símbolo, por exemplo, pode ser sagrado para uma religião e não para outra.
            A religião pode ser vista de um ponto de vista positivo ou negativo. Positivo quando é um elemento de integração, unidade entre as pessoas, conforto, regulação moral e intervenção em causas humanitárias; negativo quando é instrumento de dominação e formatação social. A ciência tem respostas a questões que a religião não possui. E o contrário também ocorre: a religião tem respostas para questões que a ciência não possui.

Para aprofundar, responda em seu caderno de Filosofia
1- Conforme o texto lido, resuma como é o tipo de conhecimento próprio da Filosofia.
2- É correto afirmar que a narrativa mitológica é uma mentira? Explique.
3- Explique por que a alteridade é uma atitude de empatia e respeito cultural.
4- Por que afirmar “está provado cientificamente”, pode ser perigoso?
5- O que significa dizer que a religião pode ter duas dimensões, uma positiva e outra negativa?

Referência Bibliográfica:
São Paulo Faz Escola. Caderno do Aluno. 1ª Série. Ensino Médio. 2º Bimestre. 2020. p. 81-89.


Imagem 2: Mito e Filosofia: Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/785667097472332483/  acessado em 04/07/2020 às 18h20

Imagem3: Ciência. Disponível em:  https://andersonvieiranunes.jusbrasil.com.br/artigos/413489671/ciencias-exatas-ou-ciencias-naturais acessado em 04/07/2020 às 18h42

Imagem 4: Diversidade religiosa. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/religiao acessado em 04/07/2020 às 18h50


O CONTRATO SOCIAL EM JEAN JACQUES ROUSSEAU

Desigualdade natural e desigualdade social

Introdução e questão-problema
Neste texto, vamos tratar de um problema filosófico refletido pelo filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). O pensador procura responder à seguinte questão: Qual é origem da desigualdade entre os homens? Em oposição a Platão, que considerava a desigualdade como natural, Rousseau propõe uma reflexão diferente, vejamos...


Quem foi Rousseau?      
Rousseau nasceu em Genebra e, por ter perdido a mãe no momento do parto, recebeu uma educação infantil toda desordenada. Em 1728 deixa Genebra e em 1741 fixa moradia em Paris. Não acostumado com a vida dos salões, não se sentia à vontade na Paris culta. Na condição de profundo amante da vida natural, Rousseau nunca se sentiu à vontade na cultura burguesa e capitalista da época, interpretada por ele como corruptora da natureza humana.
            Talvez você já tenha ouvido a frase “O homem nasceu livre, e em toda a parte vive acorrentado”. Ela abre o livro Do Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau. Ele considerava o estado natureza a fonte da liberdade e da igualdade, e a sociedade política, fonte da guerra, pois instaurava a desigualdade entre as pessoas. Para ele, nascemos livres na natureza, mas nos aprisionamos pelas convenções sociais.

O homem no estado de natureza        
Em seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau afirmava que o estado de natureza foi a “idade de ouro”, quando os seres humanos eram todos livres e iguais entre si, autossuficientes e isolados uns dos outros, vivendo em paz e harmonia. Para ele,no estado de natureza, os homens, do ponto de vista moral  não eram nem bons, nem maus, nem possuíam vícios ou virtudes, uma vez que não havia entre eles nenhum tipo de relação moral ou deveres recíprocos. Na realidade, a única virtude que possuíam era a piedade, entendida como uma "repugnância inata de ver sofrer seu semelhante".
Do ponto de vista físico, esse homem primitivo, embora fosse menos forte e ágil em certos aspectos do que muitos animais, no conjunto levava vantagem sobre todos eles. Em  linhas gerais, segundo Rousseau, a situação em que vivia, a desigualdade praticiamente não existia.Isso fez com que se atribuísse a Rousseau a ideia do “bom selvagem” – a crença de que o ser humano é naturalmente bom, mas se corrompe pela vida em sociedade – embora ele nunca tenha usado essa expressão.
            Quando fala da desigualdade, o filósofo Rousseau iniciou distinguindo dois tipos de desigualdade: uma instituída pela natureza e outra produzida pelos homens. Deixemos, porém, que o próprio autor, em sua obra, explique mais claramente a diferença entre elas:
“Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade; uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.” Diz Rousseau: “Não se pode perguntar qual é a fonte da desigualdade natural, porque a resposta se encontraria enunciada na simples definição da palavra”: ela decorre da natureza.
Por isso, o autor dedicou-se a investigar as origens da desigualdade que ele chamou de “moral ou política”, isto é, da desigualdade social, procurando compreender o processo pelo qual ela foi gradualmente instituída pelos homens, desde os tempos mais remotos, até chegar ao estado em que se encontrava à época em que ele vivia (Europa do século XVIII). Mas então, o que levou a essa desigualdade?

A propriedade privada como origem da desigualdade social
Após ter demonstrado a quase inexistência da desigualdade no estado de natureza, Rousseau, raciocinando hipoteticamente, passa a descrever como ela surge e se desenvolve ao longo da história, procurando demonstrar que o momento determinante para esse surgimento foi o da invenção da propriedade privada. Veja como ele o descreve:
O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante estúpidas para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e a terra, de ninguém !”.
Mas como a humanidade chegou a esse ponto? Segundo Rousseau, isso ocorreu graças a uma série de acasos que levaram a sucessivos progressos, ao aperfeiçoamento da razão humana e à deterioração da espécie, tornando mau um ser que era naturalmente bom ao transformá-lo em ser social. O que permitiu essa transformação foi a perfectibilidade, que é a capacidade que o homem tem de aperfeiçoar-se.
Para Rousseau, a origem da propriedade é também a origem da verdadeira desigualdade entre os seres humanos. As diferenças naturais não deveriam ser levadas em conta, porque a desigualdade social seria a única que origina uma distinção negativa entre os seres humanos. Rousseau considerava que a fundação da sociedade civil se deu na primeira vez que um ser humano cercou um terreno, afirmando: “isto é meu”, e encontrou a aceitação por parte de seus semelhantes. A origem da propriedade é a origem da sociedade, mas ainda sem as bases jurídicas que são garantidas por um Estado.
Assim, o homem, que antes era livre, passou a ser escravo de seus semelhantes e a ambição devoradora que se apossou dos homens passou a inspirar em todos eles uma tendência a “se prejudicarem mutuamente, uma inveja secreta tão mais perigosa que, para dar seu golpe com mais segurança, toma muitas vezes a máscara da benevolência”. Desse modo, conclui Rousseau, rompeu-se a igualdade do estado de natureza e instauraram-se “as mais terríveis desordens”.

O primeiro contrato social: o Estado a favor dos ricos
A instituição da propriedade teria dado início ao processo de acumulação de bens. Surgem as desigualdades, a escravidão, a ganância e a violência. Rousseau considerava que o primeiro contrato social que criou o Estado não resultava da ação de todos os indivíduos, mas da ação daqueles que tinha posses e puderam coagir os que não as tinham, na tentativa de resguardar suas propriedades.
Apesar de sua crítica mordaz aos rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o retorno da humanidade ao estado de natureza, o que, de resto, seria impossível. Uma vez instituída a sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se, agora, de encontrar uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em conformidade com a justiça e a liberdade.

O ideal de contrato social e o verdadeiro papel do Estado
Para Rousseau, o Estado poderia ser organizado de forma a preservar os direitos naturais e a igualdade entre os indivíduos. Um pacto que garantisse a igualdade sem abrir mão da liberdade humana deveria englobar todos os indivíduos. Se alguém fica de fora, se estabelece, já na origem, uma desigualdade que corrompe a sociedade instituída.
Em suma, pode-se concluir que, para Rousseau, a desigualdade, insignificante no estado de natureza, institui-se por obra do próprio homem, pelo desenvolvimento de nossas faculdades e pelo progresso de nosso espírito, consolidando-se finalmente pelo estabelecimento da propriedade e das leis.
Ciente de que o Estado e a sociedade em que vivia não eram aqueles imaginados por ele, e que era impossível voltar ao estado de natureza, Rousseau procurou encontrar modos de organizar socialmente os indivíduos preservando seus direitos e características naturais. De acordo com ele, por meio da educação pode-se evitar que o indivíduo seja corrompido pelas relações sociais, mesmo vivendo em uma sociedade desigual, centrada na exploração. Escreveu uma obra Emílio, em que projetou a educação de uma criança desde o nascimento até os 25 anos de idade.
As ideias de Rousseau originaram algumas das principais bases teóricas das democracias modernas.

Vamos refletir e fixa o conhecimento:
1-Qual é a questão-problema tratada por Rousseau e como ele caracteriza o estado de natureza e a sociedade política?
2-Como Rousseau descreve o homem no estado de natureza do ponto de vista moral e físico? O que é a perfectibilidade?
3-Qual é, segundo o filósofo, a origem da desigualdade social entre os homens? Explique.
4- Por que Rousseau afirma que o primeiro contrato social e a favor dos ricos?
5-Rousseau pensa um contrato social ideal. Neste caso, qual seria o papel do Estado?

Referências Bibliográficas:
GALLO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento. 2ª ed. São Paulo: Scipione, 2016.
MEIER, Celito. Filosofia: por uma inteligência da complexidade. Vol. único. 2ª ed. Belo Horizonte, MG: PAX Editora e Distribuidora, 2014.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens e outros textos. 3ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).
__________. Do Contrato Social. São Paulo: Companhia das Letras/ Penguin, 2011.

Imagem 1: Jean Jacques Rousseau Disponível em: https://gcn.net.br/nossasletras/noticia/365855/um-retrato-de-rousseau-ao-fim-da-vida/ acessado em 04/07/2020 às 9h50




O UTILITARISMO


O utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill

Contexto histórico:
O pensamento utilitarista nasceu na Inglaterra do século XIX, onde florescia o capitalismo industrial, que prometia, pelo avanço da tecnologia, o conforto e o bem-estar.
Na realidade, a revolução industrial trouxe uma enorme discrepância entre riqueza e pobreza.  Diante dessa desigualdade social e econômica o pensamento utilitarista procurava uma solução. A qual seria: Estender a promessa dos progressos, e todos aqueles benefícios prometidos pela revolução industrial, para o maior número de pessoas.

Quem foi Jeremy Bentham:
O criador do pensamento utilitarista foi Jeremy Bentham (1748-1832) filósofo e jurista
inglês.
Aos 41 anos de idade, Jeremy Bentham  era um dos maiores gênios de toda a história humana quando publicou “Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação”. Essa, uma das maiores obras da humanidade, foi eclipsada (ocultada) porque o ano era 1789 e em 14 de julho eclodiu a Revolução Francesa, cujas ideias simples de liberdade, igualdade e fraternidade, contagiaram todo mundo. Na urgência de mudanças por que passou o mundo, não havia espaço para uma análise tão profunda e perfeita do funcionamento da sociedade humana visando seu aperfeiçoamento.

O divulgador do pensamento utilitarista:
O grande divulgador do pensamento utilitarista foi John Stuart Mill (1806-1873). Atento ao sofrimento das massas oprimidas, Stuart Mill defendeu a coparticipação de operários na indústria, bem como a representação proporcional na política, a fim de permitir a expressão de opiniões minoritárias. Acirrado defensor da absoluta liberdade de expressão, do pluralismo e da diversidade, valorizou o debate de teorias conflitantes. Sob a influência de sua mulher, Harriet Taylor, feminista e socialista, participou da fundação da primeira sociedade defensora do direito de voto para as mulheres.

O princípio do utilitarismo:
Do ponto de vista moral (do comportamento humano), ao destacar a busca do prazer e tomar o “princípio da utilidade” como critério para avaliar o ato moral, conclui-se que o bem é o que possibilita a felicidade e reduz a dor e o sofrimento. No entanto, esse bem deve beneficiar o maior número de pessoas.
Pode-se dizer que essa ideia se trata de uma forma atualizada do hedonismo grego (busca do prazer individual), na medida em que destaca a busca do prazer, só que agora com ênfase no caráter social.
O utilitarismo criticava o egoísmo que prevalecia na sociedade liberal capitalista e defendia que: “uma ação é correta na medida em que tende a promover a felicidade, e errada quando tende a gerar o oposto da felicidade (...)”. Bentham acreditava que a “Natureza nos deu dois senhores soberanos, o prazer e a dor”, ou seja, que buscar o prazer e evitar a dor são as únicas forças motivadoras do ser humano. Com base nisso, afirmou que a moralidade de uma ação é função da sua tendência a promover prazer ou dor. A isso chamou princípio de utilidade. Assim, a coisa moralmente certa a fazer, e a política social ou legal (das leis) moralmente apropriada a se adotar, é sempre tudo o que ofereça o maior saldo de prazer sobre a dor para a população como um todo.
            Para os utilitaristas, o homem é um ser que só é livre quando se desenvolve intelectualmente e é capaz de fazer escolhas morais que gerem o bem e a felicidade para o maior número de pessoas, diferentemente dos preceitos de Locke, que afirmava a liberdade do homem com base na natureza.
O cidadão, o indivíduo, segundo Bentham, deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediência contribui mais para a felicidade geral do que a desobediência. A felicidade geral, ou o interesse da comunidade em geral, deve ser entendido como o resultado de um cálculo hedonístico, isto é, a soma do bem comum e das dores dos indivíduos. Assim, Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade. 
O valor de um prazer ou de uma dor deve ser considerado com intenção de avaliar a tendência de qualquer ato pelo qual o prazer ou a dor são produzidos, é necessário tomar em consideração outras duas circunstâncias, são elas:
·         A sua fecundidade: a possibilidade que o prazer ou a dor têm de serem seguidos por sensações da mesma espécie, isto é, de prazer, quando se tratar de um prazer, ou de dor, em se tratando de uma dor.
·         A sua pureza: a probabilidade que o prazer e a dor têm de não serem seguidos
por sensações do tipo contrário, isto é, de dores no caso de um prazer, e de prazeres, em se tratando de uma dor.

Vejamos um trecho da obra de John Stuart Mill:
 O credo que aceita como fundamento da moral o Útil ou Princípio de Máxima da Felicidade considera que uma ação é correta na medida em que tende a promover a felicidade, e errada quando tende a gerar o oposto da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e ausência da dor; por infelicidade, dor, ou privação de prazer. Para proporcionar uma visão mais clara do padrão moral estabelecido, por essa teoria, é preciso dizer muito mais; em particular, o que as ideias de dor e prazer incluem e até que ponto essa questão fica em aberto”.

Leia também um trecho do pensamento de Jeremy Bentham:
I. [...] Prazeres e dores são instrumentos com os quais o legislador tem de trabalhar: é necessário, assim, que ele compreenda sua força, o que significa, novamente, conhecer seu valor.
II. Para um indivíduo considerando a si mesmo, o valor do prazer ou da dor considerados em si mesmos será maior ou menor, de acordo com as seguintes quatro circunstâncias:
1. Sua intensidade. (muito/pouco, forte/fraco)
2. Sua duração. (perdurará por muito tempo ou é passageiro)
3. Sua certeza ou incerteza. (é certo que irá acontecer ou incerto)
4. Sua proximidade ou distanciamento. (acontecerá logo ou ainda vai demorar)
III. Essas são as circunstâncias que devem ser levadas em conta quando se estima prazer ou dor considerados em si mesmos separadamente. Mas quando o valor de um prazer ou uma dor é considerado com o propósito de estimar a tendência de qualquer ato pelo qual é produzido, existem duas outras circunstâncias que devem ser observadas.
São elas:
5. Sua fecundidade, ou a possibilidade de ser seguida por sensações do mesmo tipo, ou seja, prazeres, no caso de um prazer, dores, no caso de uma dor.
6. Sua pureza, ou a possibilidade de não ser seguida por sensações do tipo oposto, ou seja, dores no caso de um prazer, prazeres, no caso de uma dor.

            Bastante aceito no século XIX, o utilitarismo suscitou inúmeras controvérsias. Uma delas seria o critério para decidir quais são os prazeres superiores, quais devem ser desprezados e como conciliar o interesse pessoal com o coletivo.

Em resumo:
- O utilitarismo é uma corrente do pensamento filosófico ligado à ética e a moral, pois busca definir a conduta humana pautada no prazer.
- Surgiu no século XIX, com o objetivo de realizar uma crítica ao capitalismo e suas consequências como a desigualdade e a exclusão.
- Resgata o pensamento hedonista, porém com um aspecto mais amplo, pois aplica-se ao coletivo.
- O bem é o que possibilita a felicidade e reduz a dor e o sofrimento. Porém, esse bem, deve beneficiar o maior número de pessoas.


Questões para reflexão:

1- Quem foram os dois filósofos que desenvolveram a teoria utilitarista e qual o contexto histórico que ela foi pensada?
2- Qual a relação entre o hedonismo e o utilitarismo?
3- Sintetize em poucas palavras a ideia central do utilitarismo.
4- Agora pense e registre em seu caderno:
Um desejo que você tenha, (por exemplo: fazer uma faculdade)
Como é a intensidade desse desejo?
Por quanto tempo ele pode durar?
É certeza concretizar esse desejo ou não?
Está próximo para acontecer?
Sua fecundidade?
Sua Pureza?
Pessoas que serão beneficiadas e por quê?
Pessoas que serão prejudicadas e por quê?


Referência:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. Volume único; 6º Ed, Moderna: São Paulo, 2016 (p. 215-216).
BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2932>. Acesso em: 29 maio 2013. Tradução Eloisa Pires. In. Material de apoio ao currículo do Estado e São Paulo – Filosofia – Caderno do Aluno – 2 Ano – Ensino Médio - 2014 – 2017 – p.52
LAW, Stephen. Guia Ilustrado Zahar – Filosofia. Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges. 3ª ed. Rio de janeiro: Zahar. 2011.
STUART MILL, John. O utilitarismo. In MARCONDES. Danilo. Texto básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p.129.

Imagem 1: Revolução industrial inglesa Disponível em:https://historialiberta.com.br/historia-da-europa/a-revolucao-industrial-inglesa/ acessado em 20/05/2020 às 17h00


Imagem 2: Jeremy Bentham Disponível em: https://zenemiblog.wordpress.com/2017/10/02/teoria-da-utilidade-bentham-say-e-senior/ acessado em 20/05/2020 às 18h00





sexta-feira, 19 de junho de 2020

ARISTÓTELES: BASES DO PENSAMENTO LÓGICO CIENTÍFICO


ARISTÓTELES
Bases do pensamento lógico e científico

Biografia
            Continuando nossa viagem pela História da Filosofia, vamos agora conhecer um pouco sobre outro
importante pensador. Nascido em Estagira (por isso era chamado de “O Estagirita”), na Macedônia, Aristóteles (384-322 a.C.) foi, ao lado de Platão, um dos mais expressivos filósofos gregos da Antiguidade. Há informações de que teria escrito mais de uma centena de obras sobre os mais variados temas, das quais restam apenas 47. Desempenhou extraordinário papel na organização do saber grego, acrescentando-lhe uma contribuição que impactou a história do pensamento ocidental.
            Filho de Nicômaco, médico do rei da Macedônia, provavelmente herdou do pai o interesse pelas ciências naturais. Aos 18 anos foi para Atenas e ingressou na Academia de Platão, onde permaneceu cerca de 20 anos. Com a morte de Platão em 347 a.C., não pode assumir a direção da Academia por ser considerado estrangeiro pelos atenienses.
            Decepcionado, deixou a Academia e partiu para a Ásia Menor, onde foi convidado por Felipe II, rei da Macedônia, para ser professor de seu filho, Alexandre, que posteriormente foi um importante governante do império macedônico a partir de 340 a.C.
            Por volta de 335 a.C., Aristóteles regressou a Atenas, fundado sua própria escola filosófica, que passou a ser conhecida como Liceu, onde ensinou por aproximadamente 12 anos. Seus discípulos ficaram conhecidos como peripatéticos, pois o filósofo tinha o hábito de ensinar ao ar livre, muitas vezes sob as árvores. (peripatético significa ambulante, itinerante, que anda)
      
      Apaixonado pela biologia, dedicou inúmeros estudos à observação da natureza e à classificação dos seres vivos. Tendo em vista a elaboração de uma visão científica da realidade, desenvolveu a lógica para servir de ferramenta do raciocínio correto.

Método indutivo
            Para Aristóteles a ciência deveria partir da realidade sensorial para desvendar a constituição essencial dos seres. Isto é, da experiência concreta (empírica). Em outras palavras, a partir da existência do ser individual, devemos atingir sua essência, seguindo um processo de conhecimento que caminharia do individual e específico para o universal genérico, isso é o método indutivo. O conceito escola, por exemplo, é o resultado da observação das diferentes instituições às quais se atribuiu o nome escola. Somente dessa maneira o conceito escola pode ter sentido universal. É por meio do método indutivo que o ser humano pode atingir conclusões científicas, conceituais, de âmbito universal.


Matéria e forma
            Aristóteles era um grande observador da natureza, considerado por muito o primeiro biólogo que existiu. Para ele, as coisas são o que são em sua própria natureza, ou seja, o ser verdadeiro deve ser imanente. Todas as coisas estariam constituídas de dois princípios inseparáveis:
- Matéria (hylé, em grego) – o princípio indeterminado dos seres, mas que é determinável pela forma. Exemplo: madeira;
- Forma (morphé, em grego) – o princípio determinado em si próprio, mas que é determinante em relação à matéria. Exemplo: cadeira de madeira.
Assim, tudo o que existe é composto de matéria e forma, daí o nome hilemorfismo (matéria + forma) para designar essa doutrina. Note que é a forma que faz as coisas serem o que são. Por exemplo, uma cadeira de madeira só é reconhecida como cadeira por causa da sua forma, se não fosse a forma seria apenas alguns pedaços de madeira (matéria). Outro exemplo: um anel de ouro é derretido para converter-se em uma corrente de ouro, muda-se a forma (de anel para corrente), mas mantém-se a matéria (ouro).
Quatro causa dos seres
            Observe que, quando falamos de uma semente que se transforma em árvore e em um anel que se converte em corrente, estamos nos referindo a duas classes distintas de seres. No primeiro caso, temos um ser natural, no qual a mudança (ou movimento) ocorre por um princípio interno, intrínseco, conforme explicou Aristóteles. No segundo caso, por sua vez, temos um ser artificial, cuja transformação (ou movimento) se dá por um princípio externo, extrínseco.
            Em outras palavras, os seres naturais modificam-se, basicamente, de acordo com sua própria natureza, enquanto os seres artificiais dependem em boa medida de elementos externos para que isso ocorra.
            Há, portanto, princípios intrínsecos e extrínsecos que levam os seres ao movimento, à passagem da potência (aquilo que o ser ainda não é e o que pode vir a ser, exemplo: semente) para o ato (aquilo que o ser já é, exemplo: árvore). Esses princípios são o que o filósofo chamou de causas.
            Aristóteles distinguiu quatro tipos de causas fundamentais:
- Causa material: refere-se à matéria de que é feita uma coisa. Exemplo: a madeira utilizada na confecção de uma cadeira.
- Causa formal: refere-se à forma, à natureza específica, à configuração de uma coisa, tornando-a “um ser propriamente dito”. Exemplo: Exemplo: a forma de uma cadeira, que é diferente de uma mesa.
- Causa eficiente: refere-se ao agente, àquele que produz diretamente a coisa, transformando a matéria tendo em vista uma forma. Exemplo: o marceneiro que faz a cadeira.
- Causa final: refere-se ao objetivo, à intenção, à finalidade ou à razão de ser de uma coisa. Exemplo: a cadeira serve para as pessoas se sentar.
            Nos seres artificiais (como a cadeira do nosso exemplo), todas essas causas intervêm, sendo as duas últimas extrínsecas a esses seres.
            Nos seres naturais, a causa eficiente não ocorre, pois eles podem surgir e ser o que são por natureza, isto é, fazem-se por si mesmos, não dependendo de uma causa externa.
Assim, as diferentes relações entre as quatro causas explicam tudo o que existe, o modo como existe e se altera, e o fim ou motivo para o qual existe.
Aristóteles, como vimos tem uma vasta contribuição para o saber. Escreveu, dentre outros temas, sobre ética, política e lógica, mas esses são assuntos que trataremos em outras aulas.

Vamos refletir:

1-    Como ficou conhecida a escola fundada por Aristóteles e por que seus discípulos eram chamados de peripatéticos?
2-    Explique o que é o método indutivo, utilizado por Aristóteles.
3-    Dê um exemplo diferente do que aparece no texto para explicar o hilemorfismo, princípio da matéria e forma.
4-    Explique como ocorrem as mudanças nos seres naturais e nos seres artificiais.
5-    Utilize o exemplo de um “lápis” para explicar as quatro causas dos seres, conforme Aristóteles.


Referência Bibliográfica:
CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. (p.60-63)
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2016. (p.227-230)

quinta-feira, 18 de junho de 2020

PLATÃO E A JUSTA DESIGUALDADE


PLATÃO E A JUSTA DESIGUALDADE
Introdução
Vamos introduzir uma discussão sobre a política com base nas possibilidades e na qualidade da participação política. Além disso, propomos uma reflexão sobre a democracia pautando-se pela perspectiva antidemocrática de Platão (428-348 a.C). Nesse sentido, deveremos atentar para como Platão explica a desigualdade de classes na sociedade ateniense em seu tempo, valendo-nos, para tanto, da obra A República. Abordaremos, basicamente, a concepção platônica de justiça e a teoria da alma, elementos importantes para a compreensão da visão platônica sobre o tema.
Para início de conversa, propomos uma questão: Quais são os pontos fortes e quais são as fragilidades que conseguimos observar no cotidiano em relação à democracia brasileira?
A democracia é um regime que permite e requer diversidade de opiniões, a criação de organizações, associações, movimentos e partidos e por isso é na democracia que os conflitos e disputas são uma constante e possibilitam a manutenção e a ampliação de direitos. Ou seja, quanto mais vozes tiverem o direito de ser ouvidas, mais conflitos e disputas se farão presentes na sociedade democrática e é por isso que a democracia tem o potencial de se abrir para revisões e transformações da realidade. A democracia caracteriza-se pela pluralidade de vozes e, portanto, o pior que pode acontecer com a democracia é a violência que promove o medo e tende a provocar o silêncio.

A justiça na República Platônica
            Justiça, apesar do seu uso corrente, é um conceito de difícil demarcação. Os dicionários referem-se à justiça, entre outras possibilidades, como distribuição que permite a cada um ter o que é seu e/ou que tal distribuição seja feita de forma imparcial. Essas possibilidades de entender a justiça parece ter relação com o que entendemos, de forma geral, por justiça. Nesse contexto, como a cidade poderia funcionar de maneira mais justa?

Platão e a teoria da alma
A noção que Platão tem de justiça é reforçada pela sua teoria da alma. Para ele,
assim como na cidade há três classes distintas, também a alma humana possui três partes, cada uma encarregada de uma função específica:
1. Parte concupiscente ou apetitiva: situada no baixo-ventre (entre o diafragma e o umbigo), é a parte da alma responsável pela busca da bebida, da comida, do sexo, dos prazeres, enfim, de tudo quanto é necessário à conservação do corpo e à reprodução da espécie. É irracional e mortal.
2. Parte colérica ou irascível: irascível é quem se irrita ou se enraivece com facilidade. Localizada no peito, acima do diafragma, sua função é defender o corpo contra tudo o que possa ameaçar sua segurança. Também é irracional e mortal.
3. Parte racional: é a função superior da alma, o traço divino que há em nós. Situada na cabeça, é responsável pelo conhecimento. Apenas essa parte é imortal.
O homem virtuoso é aquele em que cada parte da alma realiza na medida justa (sem falta nem excesso) a função que lhe cabe, sob a regência da parte racional. Cabe, portanto, à parte racional dominar as outras duas. O domínio da razão sobre a concupiscência resulta na virtude da temperança (moderação); o domínio da razão sobre a cólera produz a virtude da coragem ou da prudência. A virtude própria da parte racional é o conhecimento.
Por outro lado, o homem vicioso é aquele em que as partes da alma não conseguem realizar suas funções próprias, ou as realizam desmesuradamente (sem medida), o que ocorre quando a parte racional perde o comando sobre as outras duas. Nesse caso, instaura-se a desordem, o conflito, a violência contra si e os demais.
Ora, o que vale para o homem individualmente vale também, de certo modo, para a cidade e as três classes sociais nela existentes:
1-Na classe econômica, predomina a parte concupiscente da alma. Daí ela estar sempre voltada para a obtenção de riquezas e prazeres. Assim, se essa classe assumir o governo, a cidade será mergulhada em sérios problemas econômicos, aprofundando as desigualdades.
2-Na classe dos guerreiros, predomina a parte colérica, razão pela qual apreciam os combates e a fama. Se governarem, a cidade viverá em constante estado de guerra, tanto interna quanto externamente, gerando insegurança e instabilidade.
3-Na classe dos magistrados, predomina a parte racional da alma, o que lhe favorece conhecer a ciência da política e, desse modo, governar as outras duas classes e em conformidade com a justiça.
Em suma, assim como o homem justo é aquele em que a razão governa a cólera e a concupiscência, também na cidade, para haver justiça, é preciso que os magistrados governem as demais classes, dedicando-se estas às funções que lhes são próprias.
Caberá à educação preparar os indivíduos de cada classe para o exercício da função e da virtude a ela correspondentes. Assim, a classe econômica deve ser educada para a frugalidade e a temperança; a classe militar, para a coragem; e a classe dos magistrados, para a prudência. O resultado dessa combinação será uma quarta e principal virtude: a justiça.
Assim, a cidade justa é aquela em que cada classe cumpre harmoniosamente o papel que lhe cabe: o magistrado governa, o soldado defende e a classe econômica provê a subsistência dos cidadãos, tudo na mais perfeita harmonia. Desse modo, cada um exercendo a função correspondente às inclinações de sua alma, às características de sua natureza, todos concorrerão para a realização da justiça. Eis, portanto, como Platão legitima e justifica a desigualdade entre as classes, apresentado-a como expressão da justiça e instrumento para a realização do bem comum.
Conclusão
É importante realçar que a visão de Platão sobre as classes sociais conduz a certa naturalização da desigualdade e, nesse sentido, diferenças justificam as desigualdades. A posição  platônica, dessa forma, não considera a convenção (como possivelmente pensavam os sofistas, adversários políticos de Platão), isto é, deixa de ser considerada como obra humana, e passa a ser entendida como expressão da natureza intrínseca ao homem, como fruto de uma espécie de disposição inata das pessoas para exercer determinado papel na sociedade, disposição que se justifica por uma ideia de bem e justiça.
Resumo
Platão entende que, assim como no corpo, naturalmente, há partes desiguais, a desigualdade entre as classes sociais também é natural. Ele observa que as pessoas nascem diferentes, com habilidades e tendências diferentes, e isso não é um problema. Alguns nascem para o trabalho braçal, outros para defender e outros para governar. Se cada um fizer bem a sua função, toda a cidade será justa. Por isso, o título deste texto... “Platão e a justa desigualdade”. Portanto, a visão de Platão é antidemocrática, pois ele considera que nem todos nascem com sabedoria para governar. O filósofo defende um tipo de governo aristocrático, onde quem governa deve ser o filósofo, o mais sábio (é o Rei-filósofo).  Essa concepção será contrariada, mais adiante, por Rousseau, para quem a desigualdade não é natural, mas resulta de uma convenção, ou seja, é produzida pelos seres humanos. É o que veremos na próxima aula...

Vamos refletir:
(Responda em seu caderno de Filosofia)
1-Descreva, conforme o texto, o que caracteriza uma democracia.
2-Quais são as três partes da alma, pensadas por Platão, e qual á e a característica de cada uma?
3-Como é o homem virtuoso e o homem vicioso, conforme Platão?
4-Quais são as três classes da cidade e qual a caraterística de cada uma?
5-Para Platão, a desigualdade social é natural ou produzida? Justifique sua resposta.

Referência Bibliográfica

São Paulo (Estado) Secretaria da Educação.
Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo: caderno do professor; filosofia, ensino médio, 3a série / Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; equipe, Adilton Luís Martins, Luiza Chirstov, Paulo Miceli, Renê José Trentin Silveira.  -  São Paulo: SE, 2014.

Imagem1: Imagem 1: Disponível em: https://beduka.com/blog/materias/filosofia/principais-ideias-platao/ acessado em 25/05/2020 às 19h25